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Entrevista que concedi à Revista BÁ

Entrevista que concedi à Revista BÁ

Entrevista que concedi à Revista BÁ

Em 17 de março de 2024.

 

Com 30 anos no Instituto de Letras da UFRGS, outros 15 na Universidade La Salle em Canoas e cerca de 20 como pesquisadora do CNPq, Zilá Bernd acaba de incorporar mais uma nobre missão: assumirá uma vaga na Academia Rio-Grandense de Letras. Professora titular aposentada da UFRGS, cursou uma das primeiras turmas do recém-inaugurado Mestrado em Letras e depois concorreu a uma vaga no Doutorado da Universidade de São Paulo. Na USP emplacou um projeto audacioso: quem era da área de Francês, pesquisava apenas autores de língua francesa da França. A proposta de Zilá foi a de olhar para perto e estudar os autores de língua francesa das Américas, ou seja: Haiti, Martinica e Quebec, o que era, em 1984, bastante ousado. A escolha repercutiu ? na volta ao Instituto de Letras em 1988 ? numa renovação nos estudos de língua e literatura francesa, criando uma cátedra de Literaturas francófonas das Américas, da qual ela foi a primeira titular por meio de concurso público. Escreveu 40 livros e incontáveis artigos em livros coletivos e revistas acadêmicas no Brasil, na França e no Quebec. Foi uma das primeiras teóricas a estudar literatura afro-brasileira e afro-americana e a divulgar obras que haviam sido invisibilizadas na literatura brasileira, abrindo caminhos para que os leitores, as editoras e as bibliotecas acolhessem essas obras. Recebeu a Ordem Nacional do Quebec em nível de Chevalier (2001) e de Officier (2014) e, em 2009, em Ottawa, o Prix International d´Etudes Canadiennes, das mãos do Governador Geral do Canadá. Super Zilá!

Como é fazer parte da Academia Rio-Grandense de Letras? Que contribuição você imagina que deu e que vai dar?

Algo inesperado em minha carreira. Amigos acadêmicos sugeriram que eu apresentasse minha candidatura. Na eleição votam os 40 membros da Academia e fui eleita entre 11 candidatos para a cadeira 36 de Lindolfo Collor. Colegas como Jane Fraga Tutikian e Katherin Rosenfield, e amigos como Gilberto Schwartsman e Roberto Prymm, me incentivaram a concorrer. Quando soube que havia sido eleita foi uma surpresa. Não achava que venceria a concorrência com candidatos de tão alto nível. Espero participar ativamente como fiz em toda minha vida acadêmica.

Se você pudesse viajar no tempo o que mudaria?

Me candidatava para ser Astronauta.... para poder ver o mundo do alto... Mas enquanto muitos colegas lamentam ter escolhido o Magistério, sou imensamente grata a todas as oportunidades que tive na UFRGS.

Como se interessou pelo Canadá e os autores negros nos estudos de literatura comparada? O que te ensinam ao longo destes anos?

No início dos 80, participei, na Universidade Federal Fluminense, de um evento de literatura francesa para o qual foram convidados autores francófonos do Caribe, da Martinica, do Haiti, entre outros teóricos. Nas leituras de literatura francesa, olhávamos para o longe: a França. Ao nos iniciarmos nas literaturas francófonas do Caribe e do Haiti, passamos a olhar para o perto, para autores como nós, originários das Américas, com um comparatismo literário mais evidente. Durante o doutorado, fui recebida na Université Laval, em Quebec, onde, além dos autores do Caribe, me iniciei nos autores quebequenses. Esses autores enfrentavam os mesmos problemas que os brasileiros: serem originários de países colonizados pelos europeus. Tais comparações deram origem ao Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (2007), organizado por mim, com 700 páginas. Começava a aventura do comparatismo literário interamericano que deu origem a muitas dissertações e teses de orientandos meus na UFRGS e também a um GT da ANPOLL (Ass. Nacional de Professores de Língua e Literatura), intitulado relações literárias interamericanas que, ao longo dos anos, já publicou várias obras em torno das convergências entre autores americanos de língua portuguesa, francesa, inglesa e espanhola.

Se você estivesse nos portões do paraíso, e Deus perguntasse: ?Por que eu deveria deixar você entrar?, o que você responderia?

Responderia: ?Amigo, se você olhou para baixo nestes últimos 45 anos, deveria dizer: ?Entra, Zilá, você não precisa pedir licença?. Plagiando o poema de Manuel Bandeira, reclamaria se Deus não me recebesse de braços abertos, já que minha vida foi consagrada à leitura, à escrita e ao ensino universitário. Credenciais que por si só não me garantiriam o paraíso; mas o viés de minha escrita, mereceria um lugarzinho já que muito escrevi sobre textos que ficaram por longo tempo invisibilizados, por terem sido escritos por mulheres e por negros e negras.

Quais os motivos que te fazem acordar pronta pra viver todos os dias?

O desafio de escrever um artigo, finalizar um novo livro, preparar uma fala para um congresso literário no Brasil, no Quebec, na França ou outros países. Enfrentar novas leituras de obras literárias e teóricas e o entusiasmo de analisá-las, contestá-las, debatê-las. Todo cuidado é pouco: muita revisão, ética e humildade para enfrentar críticas ou visões diferentes. Além disso ou antes de tudo isso, conviver com meu marido, família e amigos é fonte diária de inspiração.

 

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